terça-feira, 11 de maio de 2010

"Uma vida dividida com os mais pobres e oprimidos"

Leonardo Boff recebe medalha Pedro Ernesto na Câmara do Rio

Fotos, áudios e texto: Ronaldo Mendonça

Cerca de 200 pessoas lotaram o plenário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro (CMRJ) nesta segunda-feira para assistir a entrega da Medalha Pedro Ernesto ao professor, teólogo e escritor Leonardo Boff. A homenagem, que é a maior comenda do Município, foi proposta em 1996 pelo então vereador (hoje deputado federal pelo PSOL) Chico Alencar. O vereador Eliomar Coelho (PSOL) fez o requerimento para a homenagem esse ano, porém se constatou a existência da proposta 2928/2006, que já tinha sido aprovada por unanimidade. Como Boff não a havia recebido ainda devido ao silêncio obsequioso imposto pelo Vaticano à época, Eliomar tornou-se realizador da homenagem.

Estavam presentes ao evento, que durou cerca de duas horas, o Deputado Chico Alencar, o Deputado Estadual Marcelo Freixo (PSOL), Shirley Orozco, cônsul do Estado Plurinacional da Bolívia no RJ, Miguel Baldez, professor e Coordenador do núcleo de Loteamentos da Procuradoria Geral do Estado, Marina dos Santos, membro da Coordenação Nacional do MST, Tereza Cavalcante, teóloga e professora universitária. Nos intervalos das homenagens lidas e proferidas, números musicais com o Coro da Camara Municipal do Rio de Janeiro, sob a regência de Cássia Borja, além da voz de Lucio Sanfilippo, com Tiago Prata no violão.




Discursos e mensagens

Uma série de homenagens foram proferidas. O Vereador Reimont (PT), primeiro a falar na tribuna, disse que, na verdade, "a medalha é que o (Boff) recebe, a medalha é que o tem." Relatou que aprendeu com o homenageado, quando foi seu aluno de Teologia em Petrópolis, que Jesus Cristo "é mesmo libertador quando nós nos comprometemos com os pobres". Aprendeu também a tomar "um chá de povo, ir ao encontro das classes minoritárias" quando a chateação lhe chegasse.

Dos que não puderam estar presentes à cerimônia, enviaram mensagens de parabéns à Leonardo Boff os vereadores Andrea Gouvea Vieira (PSDB), Stepan Nercessian (PPS), Vera Lins (PP), Aspásia Camargo (PV), Clarissa Garotinho (PR), Carlo Caiado (DEM), Roberto Monteiro (PC do B) e Sebastião Ferraz (PMDB).

A seguir, Eliomar Coelho também homenageou Boff e antes de descrever sua biografia, declarou que a entrega da Medalha era mais que especial. "Leonardo Boff é a expressão de uma vida dividida com os mais pobres e oprimidos. Sua biografia é conhecida por todos e revela sua opção."

O professor Miguel Valdez, que conheceu o teólogo na UERJ quando coordenava o curso de Direito Social, declarou que Boff encontra na solidariedade os fundamentos para a construção de um novo Direito. "Realmente foi um dos esteios do curso. Era um curso crítico. E para nós era fundamental contar com um homem universal como o Boff", resumiu.

Tereza Cavalcanti, grande amiga do homenageado, disse que Boff soube aproximar a Teologia do homem. "A Teologia que o Leonardo traz é uma Teologia viva, que tem força, tem sabor. Nós merecemos um teólogo como Leonardo", declarou.

"Boff é um entusiasta natural do MST", disse Marina dos Santos. A seu ver, os bens naturais estão em disputa pelo capital para garantir lucro , gerando prejuízos para a Humanidade. "Os ensinamentos de Leonardo Boff precisam ser colocados em prática, sobretudo valorizar a natureza, os bens naturais e não deixar de lado o saber-cuidar das pessoas, do conjunto da vida", concluiu.

Marcelo Freixo relembrou ter conhecido Boff em 1996 em Niterói, quando era coordenador de um projeto de educação em presídios. Ao explicar sobre o projeto, Boff disse-lhe: "trabalhar com os presos é remar contra a amnésia da sociedade". "Todos que defendem a vida, direitos humanos e educação pública beberam na fonte de sabedoria e das atitudes de Leonardo Boff", declarou Freixo.

Shirley Orozco ressaltou a atuação de Leonardo na questão ecológica. "Nunca teve tanta importância e repercussão como nos últimos tempos: a concepção dele (Boff) na linha ecológica e humanista e o paradigma da relação do Homem com a Natureza". Shirley disse também que o Brasil "foi muito bem representado por Leonardo", referindo-se a participação do Teólogo na recente Conferência Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas e os Direitos da Mãe Terra ocorrida em Cochabamba no mês passado.

Em seu discurso, Chico Alencar fez referências literárias para descrever sua honra em participar do evento, citando nomes como Chico Buarque e Geir Campos. "(a homenagem a Boff é) A celebração, o culto da vida, da esperança e da persistência. Em vez do silêncio obsequioso, o verbo precioso. Em vez de qualquer repressão, de moderna inquisição, a palavra, a música que vem do coração", disse o Deputado. Chico afirmou ter aprendido com Boff algo que é um desafio para todos: "Não adianta pregar revolução se nós não nos revolucionamos cotidianamente. Fazer do necessário o suficiente e viver mais simplesmente para que simplesmente todos possam viver", finalizou.



"A Terra não corre riscos. Ela continua sem nós"

Frei Leonardo Boff, como ainda é chamado muitas vezes, estava emocionado e agradeceu profundamente aos idealizadores da comenda, apesar de achar que muitos outros companheiros, lutadores nas periferias "arriscando a própria vida em nome da dignidade humana" mereceriam a Medalha Pedro Ernesto mais que ele próprio. Ressaltou, entretanto, que a homenagem é a coroação de um trabalho. "Eu sei que essa medalha é legitimar uma luta, uma causa, que todos vocês junto comigo, com nossa geração, assumimos", disse.

Na visão de Boff, sua geração teve o mérito de escolher "o caminho mais difícil para as causas mais perigosas", levando pessoas à prisão, à tortura e até a morte por conta do engajamento dessa geração pelas causas sociais. Classificou o Movimento Sem Terra como "uma causa extraordinária". "É o movimento mais importante do mundo", declarou.

Boff agradeceu a cada um dos integrantes da mesa, dirigindo-lhes palavras carinhosas. Porém, fez questão de frisar que todos tinham algo em comum: levar a política com ética no sentido Aristotélico. "Aristóteles quando fala de ética é das relações humanas. Quando fala das relações sociais e institucionais ele chama de Política. Política para Aristóteles era ética. Se política era ética, não teríamos política hoje. Há muito pouca ética", desabafou.

O escritor lembrou o encontro de que participou na Bolívia que, diferente do encontro sobre a mudança climática realizada pela ONU em Copenhagen, havia um absoluto consenso entre todos: "vida, humanidade e a Terra formando uma grande unidade". Boff falou também do clima do planeta. Ele alertou que estamos vivendo uma situação "irreversível". "Mais que uma crise civilizacional, nós fizemos uma virada que não tem mais retorno. Agora começou o tempo do mundo ferido. Recursos muito escassos, superpovoado e, por nossa irresponsabilidade, entrou num processo de trauma que se mostra pelo aquecimento global". Boff completa declarando que mesmo que parássemos todas as máquinas, carros e empresas, o Dióxido de Carbono acumulado ao longo do tempo fará com que a Terra chegue a 2ºC, o que trará grandes modificações. "Não é uma crise qualquer, é algo extremo em que a Humanidade se vê confrontada. E a grande maioria não tem consciência disso".

Apesar do quadro descrito pelo teólogo, o avanço tecnológico e a união da Humanidade pode ajudar a reverter o quadro. "Se chegarmos a esse espírito de cooperação, nós temos condições de reverter esse problema e salvar nossa civilização". E completou: "A Terra não corre riscos. Ela continua sem nós. E até melhor sem nós. Agora, nós, não podemos continuar sem a Terra. Dependemos dela. Ou mudamos, ou morremos".

Leonardo Boff citou mais de uma vez a ausência da mídia na veiculação da Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra. Em respeito à sua observação, publicamos um link onde você poderá conhecer e, principalmente, divulgar o documento. Veja abaixo, nos links relacionados à matéria.
Ao final de seu pronunciamento, Leonardo Boff, muito aplaudido, leu na íntegra a citada Declaração, que nasceu, segundo ele, de "povos que naturalmente sentem a Terra como mãe e convivem com ela numa profunda reverência e respeito".

A solenidade foi encerrada com a apresentação do Coro da CMRJ cantando "Cidade Maravilhosa", de André Filho.


Depoimentos

Chico Alencar, Eliomar Coelho e Leonardo Boff deram declarações especiais para nossa reportagem.
(Se não aparecer o player, você precisará ter o Adobe Flash Player instalado. Acesse: http://get.adobe.com/br/flashplayer)

Vereador Eliomar Coelho

Deputado Chico Alencar


O homenageado, Leonardo Boff


O Coro da CMRJ canta "Cidade Maravilhosa"



Galeria de fotos


Clique na foto para melhor visualização:





































Links relacionados:

Página oficial da Conferência Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas e os Direitos da Mãe Terra (em espanhol):
http://cmpcc.org

Notícia sobre a Conferencia:
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/internacional/povos-do-mundo-contra-as-mudancas-climaticas/view

Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra:
http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/o-documento-para-o-dia-mundial-da-terra

Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra (original, em espanhol):
http://derechosmadretierra.org/2010/04/26/conferencia-mundial-de-los-pueblos-sobre-el-cambio-climatico-y-los-derechos-de-la-madre-tierra-2/#more-945

"Alba", poema de Geir Campos, declamado por Chico Alencar em seu pronunciamento:
http://ler-e-escrever.blogspot.com/2008/12/um-bom-ano-novo.html

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